Coral
Lá nos idos de 1969, alguns colegas e eu fomos fazer teste para cantar no coral do colégio. Quem cuidava da regência era uma freira que tocava harmônio no convento dela.
Caminhamos meia hora mato-a-dentro e chegamos a uma capela de arquitetura francesa que nos deixou fascinados. Era a capela do convento. De dentro, ouvíamos barulhos de pássaros e cachoeiras; e víamos, pelos perfis vazados e pelas vidraças, as folhagens das árvores que cercavam o convento.
Chegou uma freira – senhora muito séria e de bastante idade – que iniciou os procedimentos. O teste foi feito um a um e as respostas foram imediatas:
- Você serve!
- Você não serve!
O ambiente criado era tão austero que não permitia argumentação.
Eu nem tinha noção do que se passava. Apesar da inclinação por música, ainda não havia cantado em corais. Na minha vez, ela vociferou:
- Cante os sons que eu vou tocar no órgão: Lá, Lá, Lá, Lá ...
- Lá, lá, lá, lá...
- Você não serve!
Foi um choque. A sensação foi de uma tristeza profunda. Garoto tímido, deslocado, que não sabia jogar bola e ainda por cima não servia nem pra cantar... Envergonhado, fiquei vermelho como um pimentão e fui embora.
Mais de quarenta anos depois, resolvi criar coragem e fazer novo teste. Só que desta vez fui aprovado como tenor.
Antes tarde do que nunca.
Como é que se diz para uma pessoa que ela simplesmente "não serve"? Os testes vocais são e devem ser apenas uma teste classificatório e não eliminatório. Até porque, em muitos casos, as pessoas precisam ser treinadas para estar aptas a cantar em conjunto. São por estes e outros motivos que muitas crianças crescem com bloqueios para se comunicar, se expressar e até mesmo para se desenvolver. Parabéns, Décio, por não desistir, não apenas pela vontade e perseverança em cantar, mas porque vc realmente tem uma ótima voz de Tenor!!! Abraços.
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